sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Cuidado com os brinquedos 'neurocientíficos'


Nos dois posts anteriores, você ficou sabendo quais são as características fundamentais de um brinquedo realmente educativo, e viu o que dizem especialistas sobre alguns exemplos de brinquedos, aplicativos e softwares oferecidos no mercado. Este último post da série trata das descobertas científicas sobre o impacto dos jogos educativos no aprendizado das crianças. Saber um pouco dessas coisas é importante pra gente não entrar ingenuamente na onda do “brain training” infantil.

Essa onda é agitada por empresas que estão ocupando o nicho dos brinquedos “neurocientíficos”. É legal alguém transformar o conhecimento científico avançado em produtos e serviços que melhoram a vida das pessoas, mas há sempre o risco de alguma coisa não funcionar. E há também o risco de empresas menos sérias saírem vendendo fórmulas mágicas para turbinar a genialidade da molecada, tudo com o selo da neurociência-para-o-dia-a-dia.



O “treinamento do cérebro” ou “treinamento cognitivo” vem ocupando espaço como uma das categorias de brinquedos e jogos infantis, e é nela que aparecem algumas fórmulas bem questionáveis. As pesquisadoras Brenna Hassinger-Das e Kathy Hirsh-Pasek compilaram os mais recentes estudos sobre a aprendizagem humana e constataram: o “brain training” é muito limitado em seus benefícios e em sua utilidade.

Primeiro, é importante lembrar que esse tipo de treinamento foi concebido para adultos, especialmente idosos. As pesquisas com esses indivíduos mostraram que eles melhoram as respostas específicas nas tarefas em que foram treinados. Só. Se você treina com um app para ter ganho de memória, você ganha memória apenas para execução de tarefas similares, mas não ganha velocidade de processamento de ideias; e vice versa. Assim, não dá pra dizer que o treinamento cognitivo vai aumentar sua inteligência, sua memória, sua habilidade de pensar etc.

Benefícios mais amplos para as crianças são obtidos com brinquedos, aplicativos e programas que extrapolam o simples treinamento e desafiam os pequenos em suas competências emocionais e cognitivas conjuntamente. Aí vale lembrar aqueles cinco critérios que caracterizam o potencial educativo dos jogos e brinquedos, com destaque especial para a interação humana. Embora possa haver ganhos eventuais de aprendizado num app solo, é na brincadeira coletiva que a molecada desenvolve mesmo suas múltiplas capacidades, segundo as pesquisas.


A tendência do mercado, porém, é ir no sentido contrário. Hassinger-Das e Hirsh-Pasek observam que o esforço das empresas está justamente em criar amiguinhos virtuais e outros recursos interativos para que cada criança possa passar mais tempo sozinha com seu tablet ou celular. E alertam que é preciso pesquisar mais as consequências desse “brain training” solitário sobre o cérebro dos pequenos.

A propósito, há um grande estudo longitudinal que está para ser divulgado nos EUA, tratando desse tema. As pesquisadoras não adiantam informações, mas uma entrevista na CBS News, em dezembro\2018, revelou alguns pontos importantes. Na entrevista, Gaya Dowling, do National Institutes of Health (NIH), disse que crianças de 9 e 10 anos…

  • que passavam mais de sete horas por dia com tablets, smartphones e videogames apresentaram um afinamento prematuro do córtex, isto é, uma antecipação do processo de amadurecimento da área cerebral que processa informações dos cinco sentidos (Dowling ressalvou que ainda não se pode dizer se isso é bom ou ruim, e nem se o fenômeno decorre diretamente do uso de telas pelas crianças);
  • que passavam mais de duas horas por dia diante de telas tiveram notas mais baixas em testes de raciocínio e linguagem.

O estudo do NIH entrevistou e escaneou 11 mil crianças durante uma década, em 21 pontos dos EUA, a um custo de US$ 300 milhões. Deve ser publicado neste começo de 2019. Quanto ao artigo de Hassinger-Das e Hirsh-Pasek, que nos guiou nestes três posts, foi publicado na edição de janeiro\2019 da revista Cerebrum, da Dana Foundation, que incentiva pesquisas sobre o cérebro.



David Moisés

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Leia também no livro:
A regra do jogo entre pais e filhos..........p. 94


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