sábado, 30 de janeiro de 2016

A matemática da pré-escola



Um estudo feito com 1.300 crianças australianas, divulgado nesta semana, mostra que o desempenho em matemática é pior entre aquelas que frequentaram a pré-escola do que aquelas que estiveram sob cuidados não profissionais, ou seja, dos pais e de outros cuidadores sem formação nem propósito pedagógicos.

O desempenho foi comparado também com o das crianças que não foram à pré-escola, mas que passavam seus dias em estabelecimentos de day-care. Além de superarem todas em matemática, os pequenos que ficaram em casa demonstraram-se tão competentes quanto todos os demais em habilidades relacionadas à linguagem.

A pesquisadora Claudia Cohrssen, da Universidade de Melbourne, disse ao jornal The Sidney Morning Herald que o estudo mostra uma poderosa influência do ambiente de aprendizagem em casa, e que “as crianças em situações informais parecem se beneficiar da relação individualizada com seu cuidador” ao longo do tempo.

Mais matemática?


Para as autoridades e especialistas, os resultados podem estar indicando uma falha na formação e na capacitação dos profissionais das pré-escolas. Os autores do estudo reconhecem que “muitos educadores da primeira infância demonstram ansiedade quanto a seus conhecimentos de matemática” e sentimentos negativos em relação à disciplina.

Desconte-se também o fato de que a exigência de qualidade nas pré-escolas australianas foi elevada nos últimos anos, depois que as crianças pesquisadas já haviam saído delas. É bem provável, portanto, que as crianças atualmente nas pré-escolas da Austrália - e de outros países - estejam tendo atividades de matemática mais intensas e eficazes, o que deve se refletir num melhor desempenho no futuro.

Imaginando como será o resultado do próximo estudo, daqui a alguns anos, pode-se prever o sorriso das autoridades diante de uma vitória dos egressos da pré-escola sobre as crianças que ficaram em casa. Uma vitória que pode ser apenas uma grande bobagem, senão um fardo para as crianças na etapa final da primeira infância.

A julgar pelos comentários feitos ao jornal, o estudo atual vai estimular um aperto no ensino da matemática, em vez de uma reflexão sobre a utilidade, a conveniência e a adequação de um modelo que substitui freneticamente as experiências de construção de competências de convívio e relacionamento por aquele batidão de aprendizado cognitivo.

Mais amor pela matemática


Talvez as autoridades ignorem a constatação mais valiosa do estudo: a comprovação, mais uma vez, da força da estrutura emocional como base para um bom desenvolvimento cognitivo ao longo da vida.

Mesmo sem supor um cenário perfeito, dá pra pensar num quadro típico assim: enquanto os pimpolhos da pré-escola ralavam nas atividades pedagógicas, os pequenos com seus pais e cuidadores usavam seu tempo, na mais modorrenta rotina de crianças, para construir a capacidade afetiva para se relacionar com as pessoas e com as coisas, inclusive com o conhecimento.

Não seria exagero dizer que em casa, protegidos da pressão pedagógica sobre seus 5, 6 ou 7 aninhos de idade, as crianças puderam viver mais livremente as experiências emocionais que estruturam a vida. Num ambiente afetivo, puderam gostar da matemática e até de outras ciências. Daí, quando entraram na escola, o afeto continuou e, quem sabe, virou amor mesmo.

Pré-escolas servem para ensinar, claro, mas é sempre importante ponderar em que medida as atividades que desenvolvem a capacidade cognitiva podem limitar ou sufocar as experiências que permitem a construção de uma estrutura emocional sólida, sobretudo no fim da primeira infância.

Leia também no livro:
Pós-graduação para crianças ….. p. 246


David Moisés e Angela Minatti