segunda-feira, 10 de abril de 2017

O jeito de fazer as coisas com as crianças


Para quem acha que a rotina com foco em resultados é uma forma de educar a molecada desde cedo para o mundo das responsabilidades etc, etc, a má notícia é que essa prática não costuma funcionar, e pode mesmo ter efeitos inversos. Ficar com as crianças e fazer coisas junto com elas é entrar no seu mundo, e não colocá-las no mundo dos adultos. É no seu universo, usando os recursos de que dispõem, que elas podem ir se tornando mais aptas a lidar com a realidade mais complexa.

A gente sabe que a pressão no trabalho é grande, que a jornada só vale com resultados entregues e metas batidas. Por isso é importante mudar de sintonia na hora de ficar com os pequenos. No mundo deles, “fazer as coisas” é muito diferente de executar tarefas para ter as coisas feitas dentro de um prazo, com eficiência e eficácia. Também não se trata de ensinar-lhes didaticamente a “fazer o que tem de ser feito”.






Dar banho neles não é uma tarefa com o objetivo absoluto de deixá-los limpinhos e cheirosos. Dar-lhes comida, vesti-los para ir à escola, levá-los para seus berços à noite são momentos cruciais para o psiquismo e para a estrutura emocional, que indicam o sentido do seu crescimento. Nessas horas, as crianças vivem momentos em que se misturam intensamente a pequena história pessoal, os valores, hábitos e costumes da família, as informações novas e as novas capacidades, os sentimentos brutos e os mais elaborados…

Nesses momentos, os adultos realizam sua função de dar suporte ao desenvolvimento psíquico-emocional e à base das capacidades intelectuais das crianças. Ou seja, é aí que efetivamente cumprem seu papel de criar gente. Quem encara isso de corpo e alma é quem faz a diferença entre uma simples troca de fralda e uma oportunidade de interação afetiva, integração de sentimentos e amadurecimento. Então, fazer as coisas com as crianças é também dar tempo para que coisas aconteçam no universo da percepção e dos sentimentos.

Daí a gente logo pensa nos horários. Tem hora para chegar à escola, afinal, e a mamãe tem de ir pro trabalho, o papai não pode demorar muito no almoço… Além disso, tem os horários que fazem parte dos próprios limites indispensáveis na rotina da molecada: das refeições, do banho, de parar de ver filme e de jogar, de ir pra cama etc. As coisas a serem feitas precisam, sim, acontecer. Entrar no mundo das crianças e dar-lhes tempo não é ignorar essa realidade, mas focar a atenção no processo, na experiência.

É claro que são necessários ajustes na agenda profissional de mães e pais. Acordar 15 minutos mais cedo pode ser suficiente para dar aos pequenos aquele tempo de enrolação com as roupas, e talvez cinco minutos a mais no almoço sejam suficientes pra eles poderem fazer aquela cara de nojo pra uma comida nova, sem serem criticados nem pressionados com o anda-logo-que-tá-na-hora.

Alguns ajustes se fazem apenas com um uso mais inteligente do tempo. Às vezes, os adultos perdem um tempão tentando negociar com as crianças ou chantageá-las para levá-las ao banho, por exemplo, quando bastaria chamar uma vez e então pegar no colo e ligar o chuveiro. O choro revoltado e os esperneios são justamente algumas daquelas coisas que precisam acontecer. São reações aos limites, ou seja, sinais saudáveis de que há sentimentos sendo processados. Sem a negociação e a chantagem, sobra mais tempo para o que realmente interessa no banho.

O resultado final também interessa, mas é antes, no processo, que os pequenos têm a oportunidade de experimentar sensações e elaborar o que sentem, contando com um adulto que ouve com respeito e carinho, que acolhe a raiva e a tristeza, que consola e brinca enquanto cuida. Se esse adulto está ligado somente no objetivo da tarefa, muita coisa importante deixa de acontecer - porque tem de terminar o que estão fazendo. Aí as crianças vão procurar outros momentos para processar sentimentos - porque precisam muito disso.

A boa notícia é que os pequenos submetidos à rotina com foco em resultados continuarão protestando. Quando reclamam, estão mostrando que se angustiam porque são impelidos a amadurecer. Por isso lutam com unhas e dentes para contar com a presença e a atenção de seus cuidadores.

Angela Minatti e David Moisés


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Muito além de sabonetes e xampus .................... p.63


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