quarta-feira, 9 de março de 2011

Zuenir Ventura: Aprendendo a aprender



Você sabe qual é o momento exato em que se descobre a relação entre causa e efeito, de recompensa e castigo ou a distinção entre vontade e desejo? Eu também não, mas pelo menos agora estou vendo o fenômeno ocorrer fora de mim. É que minha neta Alice, de 15 meses, está vivendo essa fase, e eu fico imaginando se ela guardará na memória a emoção que sente ao perceber pela primeira vez que uma chave serve para abrir a porta, que o interruptor pode acender e apagar a luz, que o controle remoto liga a televisão, que apertando um botão ela obtém acordes, que aquela caixa azul guardada no fundo do armário é onde fica escondido o biscoito proibido.

E mesmo sem ainda falar, ela já sabe que as palavras não são aleatórias, têm sentido: o som "umbigo" faz com que ela aponte para o próprio. Quando ouve o verbo "dormir", esteja onde estiver, ela se deita no chão e finge que está com sono. Quando alguém diz "vô", ela sabe que se trata de um velho careca que vive babando sobre ela. Não é um gênio?

Sempre ouvi dizer que com as crianças a gente aprende mais do que ensina. Achava uma bobagem, mas não acho mais. Sabe aquelas noções de psicanálise que estão à disposição do leigo em qualquer divã da esquina? Pois a parte referente à infância está sendo posta à prova com Alice. Não, não que ela esteja se interessando por Freud ou Melanie Klein. Ainda não. Eles é que estariam se interessando por seu comportamento.

Lendo o esclarecedor livro "Prepare as crianças para o mundo", de Ivan Capelatto, David Moisés e Ângela Minatti (Unicef, SP, 2009 / prepareomundo@gmail.com), descubro que Alice está na chamada "fase do prazer oral", em que prova o mundo com a boca. Como a única habilidade que a criança traz do útero é a de sugar o leite da mãe, "é natural", explicam os autores, "que (nessa idade) se concentre na boca, língua e garganta toda a energia disponível para lidar com as coisas da nova vida fora daquele barrigão confortável". Portanto, é preciso deixá-la morder o que der na telha, sem repressão: chupetas e mordedores, mas também os brinquedos (desde que limpos), o pezinho, o nosso dedo e a nossa bochecha.Assim é que os bebês sentem prazer, e é assim que começam a gostar de viver por aqui.

É nessa fase também que Alice e seus coleguinhas de geração descobrem que existe um território livre onde podem realizar todas as vontades e caprichos, fazer tudo o que os pais não deixam, como, por exemplo, comer o que não devem na hora indevida. Esse paraíso permissivo onde não há fruto proibido é a casa dos avós.

Aliás, o melhor aprendizado dessa fase é a descoberta de que o bom mesmo é ser avô/avó. A nós, o bônus. O ônus fica para os pais: as noites em claro, o choro pela dor de barriga, as manhas, tudo, enfim, que é desagradável e dá trabalho.

Publicado n'O Globo de 9/3/11.