segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A janela de oportunidades no cérebro dos bebês



É legal ver como muitas pessoas estão percebendo a importância estratégica de cuidar bem das crianças, desde pequenas, para que cresçam com ótimas capacidades e oportunidades. Você deve estar vendo por aí se falar mais em primeira infância, zero a três, zero a seis, estímulos precoces, janela de oportunidades para o desenvolvimento da criança etc.
Seria bom lembrar umas coisas.

O período inicial da vida dos pequenos tem muito mais a ver com afeto e estrutura emocional do que com inteligência. Quer dizer, qualquer pai pode desejar que sua prole tenha um QI exorbitante e uma carreira meteórica, com uma rápida escala em Harvard como gênio-convidado, mas não vale tentar turbinar o cérebro do nenê.

Esse velho papo de aproveitar a criança em desenvolvimento para aplicar adubos cognitivos volta sempre com alguma técnica recém-lançada ou com algum mote publicitário bacana. À medida que novos estudos mostram como o cérebro se forja na infância, aumenta a tentação de aproveitar a massa fresca para implantar algum chip que multiplique o desempenho intelectual.

a construção do cérebro


Bate um certo ai-meu-deus quando a gente lê que “80% das células cerebrais que uma pessoa terá para sempre são produzidas nos dois primeiros anos de vida”, e chega-se facilmente ao desespero na parte em que o cientista diz que “se o processo de construção dessas células e das conexões entre elas der errado, os déficits serão permanentes”.

Esses textos costumam ser acompanhados daquelas imagens chocantes mostrando o cérebro de uma criança de 3 anos severamente negligenciada, que parece desidratado, contraído, com reentrâncias e áreas “vazias”, menor do que um cérebro normal de criança suficientemente cuidada.

cuidado afetivo suficiente


Um dos cientistas que falam e escrevem essas coisas é Allan Schore, da Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA). Mas o interessante, no caso dele, é o resultado de seus estudos para determinar o que seria uma criança suficientemente cuidada. É essencialmente a presença afetiva da mãe ou de um adulto cuidador que faz a diferença, conclui o pesquisador.
O desenvolvimento das células do cérebro e de seus circuitos “é uma consequência da interação da criança com seu principal cuidador, depende literalmente de uma interação positiva entre mãe e filho”, afirma Schore.


Ele é identificado geralmente com o attachment parenting (criação ou parentalidade com apego, como alguns traduzem), uma espécie de linha ou escola de pensamento que, como tal, sofre lá suas críticas e provoca suas controvérsias. Os estudos de Schore, de qualquer forma, fazem grande contribuição, assim como sua experiência na área.

Dê uma olhada nesse trecho de sua entrevista a um jornal uruguaio:
P - Como a mãe pode saber que está fazendo as coisas direito?
Allan Schore – É uma aprendizagem que não tem tanto a ver com ‘fazer’, e sim com ‘ser’. Como transmitir empatia? Sendo cuidadosa e atenta, pondo o bebê em primeiro lugar, sendo aberta, genuína, estando disponível emocionalmente. Também ajuda se há uma relação forte entre a mãe e o pai. A chave é essa satisfatória forma de relacionamento. O foco não é racional, mas sim emocional.
Se você leu
  • Pós-graduação para crianças (p. 246),
  • Ele não é um geniozinho?... (p.212) ou
  • Salvando bons alunos (p.238)
vai lembrar que a estrutura emocional é base para a construção das capacidades intelectuais – nunca o contrário. Agora estamos perto de concluir que as emoções são base para a construção do cérebro em si.

a matéria-prima


O que os novos estudos estão mostrando não são simples janelas de oportunidades na cabecinha das crianças, mas um outro tipo de fundação, que passa por processos físicos, psíquicos e emocionais e que se estrutura na relação com a mãe e seu cuidado afetivo, matéria-prima inigualável.

Portanto, é bom não trocá-la por estímulos, softwares pedagógicos ou chips que não tenham onde ser plugados.

David Moisés e Angela Minatti