domingo, 28 de fevereiro de 2016

É bom deixar os avós serem avós


Você já leu muito sobre os benefícios cientificamente comprovados da presença dos avós na rotina dos netos. Principalmente se você está no grupo de mães e pais que eventualmente esticam a jornada no trabalho ou costumam receber aquele abacaxi das 5, que jamais será resolvido a tempo de ir buscar as crianças na escola. Se tem avós ativos disponíveis, é a eles que se recorre quando surgem esses imprevistos regulares. Nessas horas, junto com a sensação incômoda de dar trabalho extra pro vovô, vem aquela dose de argumentos tranquilizantes (tipo “é bom pra ele”) sustentados por artigos científicos popularizados pela mídia e por mães blogueiras.

Não faz mal que a gente só se lembre dos bons motivos para apelar a eles, especialmente na hora do sufoco. Nas horas de normalidade, porém, é importante pensar em como evitar que vô&vó virem apenas babás ou somente motoristas da molecada.

É claro que avós podem se transformar em qualquer coisa que a necessidade de seus descendentes exigir. É enorme o número de idosos que sustentam seus filhos (adultos e adolescentes) e a prole de seus filhos. Além do papel de chefes de família, há também o de cuidadores oficiais dos netos, porque este é o único arranjo que permite aos pais saírem para trabalhar. Há ainda o papel de avós-pais, que assumiram as crianças de genitores que sumiram ou são incapazes...  Cada papel tem  sua dose de peculiaridades e de desafios na relação com filhos e netos.

No modelo nossa-casa x casa-da-vovó, a distinção facilita a preservação do espaço para eles serem simplesmente aqueles velhos compreensivos e carinhosos, contadores de histórias e ouvintes interessados em cada aventura dos pequenos heróis. Mas a vida tá complexa. As exigências do trabalho dos pais, as dificuldades para garantir a rotina de cuidados às crianças e, convenhamos, a comodidade de contar com o auxílio dos ancestrais babões criam as condições para embaralhar papeis.

É nessa hora que você se lembra daqueles poréns. Cuidar dos netos estimula a mente e o corpo dos idosos, mas eles não estão necessariamente dispostos ou preparados o suficiente para assumir uma função determinada ou para encarar uma jornada de trabalho. Cuidar dos netos é uma forma de valorização dos avós, mas integrá-los como cuidadores na rotina pesada com as crianças pode implicar que deixem de atuar como avós em alguns sentidos importantes.

Uma coisa é dar a papinha pro nenê naquele dia de visita, com saudade do netinho fofo, fazendo graça e deixando pacientemente ele se lambuzar até às orelhas; outra demanda entra em jogo quando ele tem de bancar o almoço todo dia, suportando mudanças de humor ou aquela carinha de nojo do papá. Uma coisa é sair com a netinha pra dar uma volta; arrumá-la e levá-la para a escola três vezes por semana já exige dos avós atitudes bem diferentes. As questões e os sentimentos mobilizados nessas relações não são iguais.

Naturalmente a relação tripartite avós-filhos-netos, especialmente nas famílias ocidentais contemporâneas, envolve questões e sentimentos que merecem muita atenção. Pode haver choque de costumes, divergências sobre o modo de tratar as crianças, tentativas de reparar erros do passado, expectativa de serem amados, competição, ciúme... Essa relação exige sempre o cuidado dos adultos, como você já sabe. Os pais precisam se posicionar claramente, dizendo aos avós quais limites devem ser mantidos, o que não pode ser concedido às crianças etc. Os avós precisam respeitar a autoridade dos pais, fortalecer a imagem deles perante os filhos etc. Quando o papel dos avós se embaralha, esse cenário pode ficar ainda mais complexo.

Para quem não tem escolha, talvez a entrada dos avós na rotina dos netos valha o custo de lidar com essas relações mais complexas e de perder algumas boas funções de ancestrais. Para quem pode preservar um espaço mais claro de vó&vô, vale pensar em como ajudá-los a manter a lucidez e a vivacidade. Além de valorizá-los como avós, é importante dar uma força para que se sintam valorizados também como cidadãos, espantando aquela aura depressiva que toma muitos aposentados.

Não custa sugerir atividades sociais, e mesmo algumas atividades produtivas informais envolvendo contato com outras pessoas. Às vezes nem é preciso sair de casa. Há idosos que ensinam línguas via internet, e passam horas em conversa com jovens. Essas atividades diminuem o tempo disponível deles para socorrer você nas horas de sufoco com as crianças, mas lembre-se de que a molecada ganha muito tendo avós felizes, pessoas ativas que terão muito mais a oferecer aos netos.

Angela Minatti e David Moisés

Leia também no livro:
O relógio do vovô ........ p. 163


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