segunda-feira, 23 de maio de 2016

Classificação indicativa é pra valer



Quem já teve de mudar de canal às pressas, diante daquela cena forte que surge de repente no filme de domingo à tarde, sabe como é importante a classificação indicativa de programas por faixas etárias. Se as emissoras já abusam, mesmo sob os olhos da lei, pior seria se não houvesse regulação e informações sobre cenas inadequadas para menores de 10, 12 ou 14 anos. Mas não basta ser rápido no controle remoto.

Respeitar a classificação etária ao deixar a molecada diante da TV é uma decisão séria, com muitas implicações sobre a percepção dos pequenos sobre a vida.

Se o filme que tá começando é classificado para 10 anos, o menino de 9 anos não deveria assisti-lo. Claro que vai rolar muita argumentação enquanto as letrinhas iniciais aparecem na tela. Para o garotão, não faz diferença ter 9 anos e 7 meses e ter 10 anos completos; para os adultos na sala, que também querem relaxar no sofá, essa classificação é meio imprecisa mesmo… São argumentos válidos, mas a questão fundamental é respeitar ou não a classificação.

É provável que a discussão não se conclua e acabe todo mundo curtindo o filme até o fim, deixando pra trás uma chance valiosa de mostrar na prática que existem pessoas cuidando das crianças.

Quando os pequenos notam, na advertência inicial, que alguém teve o trabalho de assistir àquele filme antes, de analisar seu conteúdo e fazer uma recomendação para que menores de 10 anos não o assistam, sentem-se objeto de um cuidado. Por mais que achem nada-a-ver essa recomendação e fiquem ainda mais a fim de burlá-la, sentem-se protegidos. Quando os pais ou outros cuidadores respeitam essa restrição, os revoltados menores de 10 anos sentem que estão sendo ainda mais cuidados por esses adultos.

O contrário disso tende a ser uma sensação de abandono e vulnerabilidade, uma percepção de que o cuidado oferecido por aqueles que classificaram o filme não tem valor, de que a lei não é coisa pra ser assim tããão respeitada...

Dentre tantas outras implicações, basta lembrar dois pontos básicos. Primeiro, as crianças passam boa parte da infância procurando modelos a copiar e a seguir, e é com esses olhos que elas assistem à TV. Dá pra imaginar o que isso significa quando têm diante de si cenas e tramas complexas e impactantes.

Segundo, crianças são seres ainda incapazes de lidar com todos os tipos de sentimento. Conteúdos produzidos para adolescentes mobilizam sentimentos com os quais os pequenos não sabem lidar, que causam sobrecarga emocional e sofrimento.



Isso vale para todo tipo de conteúdo, inclusive online e impresso, embora nesses campos ainda não haja no Brasil uma classificação detalhada como para a TV. Mesmo histórias em quadrinhos precisam ser selecionadas com critério, especialmente depois que aquela turminha dos gibis cresceu e passou a agitar tramas adolescentes no mangá da Turma da Mônica Jovem.

Acostumados aos personagens coloridos na versão infantil, filhos e pais são levados facilmente a acreditar que a versão hormonizada vai render a mesma diversão. Mas histórias com tom sombrio, por vezes sinistro, pesam demais sobre os pequenos leitores. A editora adverte na capa dos exemplares (em letras miúdas) que o conteúdo é “aconselhável para maiores de 10 anos”, e é bom que os adultos prestem atenção a isso.

Pra se mexer

Quem compreende a importância da classificação indicativa de faixa etária para programas, espetáculos e outros conteúdos tem de saber que a legislação sobre o tema precisa avançar. No momento, entretanto, há um risco de retrocesso.

No Supremo Tribunal Federal (STF), as emissoras de TV estão tentando retirar da lei o artigo que as impede de exibir programas impróprios para crianças em determinados horários. Alegam que essa proibição é um cerceamento à liberdade de expressão.

Os ministros do STF têm sido muito corretos na garantia da liberdade de expressão no Brasil, sintonizados com as mais avançadas correntes do direito internacional. Isso é ótimo, mas neste caso eles parecem estar se confundindo. O relator Dias Tóffoli deu parecer favorável às emissoras, e foi acompanhado por 3 outros ministros: Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto (agora aposentado).

Só que não se trata de impedir veiculação de conteúdo. A lei apenas regula a exposição de forma a proteger crianças brasileiras que passam de 4 a 6 horas diárias diante de um aparelho de TV - em geral, sem a companhia de um adulto. O ministro Edson Fachin compreendeu isso e, em novembro de 2015 deu o primeiro voto contra o pleito das emissoras. Em seguida, Teori Zavaski pediu vistas, e agora a matéria está para voltar à pauta do Supremo.

Há uma mobilização de organizações sociais, chamada Programa adulto em horário adulto, que tem o objetivo de sensibilizar os ministros do STF e evitar essa mudança na legislação. Ao contrário de abrandar os mecanismos de pressão sobre as emissoras, é preciso aperfeiçoá-los, permitindo denúncias e punições também nos casos em que a classificação etária é inadequada, por exemplo. É uma causa pela qual vale se mexer.

David Moisés e Angela Minatti

Leia no livro:
Televisão não é babá.................p.82


CLIQUE para adquirir seu livro:
((( 11 976 303 862 ))) - whatsapp

((( prepareomundo@gmail.com ))) - e-mail