sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O adulto segura as pontas






Acontece bem naqueles momentos em que tudo pode ficar bem: o fim do domingo, a hora de sair de casa ou, pior, o começo do feriado. É nessas horas que a amável garotinha empaca na porta porque não encontra a presilha rosa (no meio das outras cinco que o pai esbaforido mostrou); o rapazinho reclama em tom de dobradiça de porta pela bola, aquela redonda que ele não encontra pra levar no dia do brinquedo; ou quando sentamos pra jantar, a belezinha chora sem lágrimas pelo chiclete laranja que não veio na caixinha de cinco cores.

Se reagir no modo automático, o adulto dispara frases prontas, objetivas e práticas, que geralmente antecedem gritos, sermões e mau humor. Mas nada disso pode colaborar com aquele pequeno ser humano.

Dá angústia ver isso, e a primeira coisa que você pensa é que não vai sobreviver. Mas, se considerarmos alguns aspectos, vemos luz no fim do túnel. Suportar essa angústia contribui decisivamente com a criação do espaço de que a criança necessita como se fosse o próprio ar. Por isso, tem de aguentar chegar ao fim do túnel! Esse é o trato.

Encontramos na sustentação destas cenas tragicômicas a grande fórmula para nos dirigir na construção de um espaço arejado, onde caibam a existência pacífica entre tantas demandas que se cruzam no dia a dia com os filhos.



Sustentar, nesse caso, é assumir o incômodo, dar suporte à pedra invisível que pesa no peito, adotar a postura de quem compreende que de fato não sabe a causa de tantos choros e impossibidades que surgem nestas horas, mas que pode sustentar as sensações que pertencem à constituição desse humano. Enfim, encarar a certeza de que o mundo interno é regido por determinantes inconscientes que cognitivo nenhum dá conta ou refrea.

O trabalho árduo é o de suportar a situação angustiante. Dar suporte nos obriga, naquela hora em que minha raiva assumiu o comando, a retroceder, esperar, manter os limites e aceitar o incômodo.

Mesmo que dê vontade de pensar alto diante dos filhos, o momento é para silenciar, retomar os pensamentos como seus e escolher o que é assunto de pai e filho, de mãe e filha; hora em que seu lugar é o de sustentador.

Não, não se escapa da angústia. Hora de entregar-se a ela com confiança pura de que algo fundamental para eles está em processo e eu, cuidador, permanecerei ali, sem entrar e sem me safar com saídas inteligentes, mudando de assunto ou lembrando algum ditador sanguinário.

O efeito desta ocupação quase diária é impressionante!

Começa em nós e reverbera nas crianças, sedentas de transitar por esse ambiente trabalhoso, que só aos poucos lhes aparece como seguro. Aí elas podem experimentar as sensações mais primitivas e trágicas, passando a abrandar tantas intensidades e pacificando seu mundo com a ajuda daquele adulto que não se perde nas turbulências.

Angela Minatti e David Moisés