sábado, 5 de dezembro de 2015

Tempo de brincar com eles


Que tal brincar com a molecada nessas férias?
Tipo brincar junto mesmo.
Quando, onde, como e o quanto for possível.
De esconde, de luta, de casinha, de carrinho, de boneca, de pula-corda, de cantar, amarelinha, pega-pega… Tudo que mexa com o corpo, a imaginação e os sentimentos.

Brincar é indispensável pras crianças (pros maiorzinhos também), e você tem visto muita coisa sobre isso na mídia. Mas não precisa apostar tudo em monitores de shopping, acampamentos e programas de recreação de férias. Nada substitui aquela gritaria dos pequenos fugindo do pai-monstro-jurássico, correndo do quarto para a sala, medrosos e felizes.

Tem dezenas de brincadeiras caseiras capazes de criar esses momentos de diversão, fortalecimento e crescimento. Não importa se elas nunca estiveram na tradição familiar dos pais, se ninguém sabe como se brinca. É assim mesmo: brincar é diferente de jogar e competir, então as regras (“não vale olhar antes de terminar de contar”) vão sendo feitas no meio do rolo. Aliás, tem brincadeira que só interessa porque tem discussão de regras toda hora.

Como em tudo nesse setor, não espere viver cenas alegres de comercial de TV. Elas podem acontecer, mas brincar de verdade é se divertir, se cansar, sentir coisas boas e ruins, brigar no meio ou no fim, se reconciliar e continuar. Porque brincar é uma autêntica parte da vida. Por isso é tão bom, tão importante e intenso.

Pra quem acha que isso dá trabalho, a resposta é: claro! E fica até um trabalho penoso quando não se compreende o valor desse tempo livre com a filharada. Mas é obrigatório, e a gente pode escolher fazer isso do jeito fácil, que é se jogando na brincadeira, pro que der e vier. O jeito difícil é, geralmente, vendo eles chegarem em casa depois de um dia divertido e extenuante com monitores, e olhando pra você com cara de vamo-brincá?


leia no livro:
Só brincando é que se cresce...........................................p.92
O que fazer (e o que não fazer) nas férias.........................p.119

Angela Minatti e David Moisés

sábado, 24 de outubro de 2015

Pais e escola: um papo complexo e indispensável



O chavão diz que os pais e a escola são parceiros na educação das crianças. É verdade, e todo mundo concorda, mas quando chega a hora de dar sugestões, fazer críticas ou pedir providências aos educadores, a conversa enrosca. Às vezes fica no hãn-hãn da professora, que finge aceitar tudo; às vezes vira bate-boca (cordial ou não). “Esse conflito entre pais e escola é histórico e ainda não tem solução”, diz Tizuko Kishimoto, docente da Faculdade de Educação da USP, pesquisadora no campo da educação infantil.

Mas isso não é pra desanimar ninguém. Ao contrário: é para que mães&pais, educadores e cuidadores percebam que essa dificuldade não é particular, pessoal, que na maioria das escolinhas e escolonas, públicas e privadas, a relação é delicada e trabalhosa. Então, participar da vida escolar dos filhos requer esforço; contar com a ajuda dos pais para o desenvolvimento dos alunos requer esforço. E todo esse esforço vale muito, sem dúvida. “As escolas que conseguem oferecer educação de qualidade são aquelas que se abriram à participação dos pais”, afirma Tizuko.


Em algumas escolas públicas de São Paulo, relata a pesquisadora, o desafio era atrair os pais. Uma estratégia envolvendo kits de brincadeiras e outras atividades lúdicas fez sucesso, e os adultos enfim adentraram os portões. Foi uma alegre surpresa ver como trabalhadores de baixa renda se engajaram nas atividades dedicadas à educação dos filhos. Mas aí os conflitos começaram a surgir, já que os genitores “perderam o medo de dizer o que pensam, do que discordam”. Neste ponto, o cenário fica então parecido com o padrão, e as professoras começam a evitar o contato com as famílias.

“É dificil mudar os hábitos de alguém que já trabalha de um jeito há muitos anos, é um problemão que se adiciona à rotina da escola”, explica Tizuko. Um novo peso na já pesada rotina docente, onde cada aluno traz uma família própria e particular na mochila.


Mesmo entre as escolas caras, habituadas a lidar com uma clientela cheia de exigências e opiniões, há mecanismos sutis para manter os portões virtualmente fechados. Tem aquelas que só fazem média: capricham no café, sucos & quitutes, promovem reuniões com apresentações espetaculares e fingem que ouvem os pais.

Tem pai de todo jeito, e nem sempre suas contribuições são razoáveis. É uma canseira lidar com a mãe que se acha pedagoga por vocação e compete com a professora, o pai que quer um prezinho mais conectado com a realidade do mercado profissional selvagem em que ele atua, a família fervorosa que quer ver seus valores incluídos no currículo, a mamãezinha do maternal que quer ser adotada pela professora da filha…


Mas existem recursos para coordenar essa participação, para que ela se torne produtiva e reverta em benefícios às crianças. É o que mostram escolas que reestruturaram suas atividades, abriram mão de práticas nem sempre úteis, integraram os pais de forma adequada e, hoje, comemoram a melhoria da qualidade do desenvolvimento de seus pequenos alunos.

Nessa relação tensa, os educadores são os únicos que podem fazer algo para melhorá-la. Talvez a primeira providência seja deixar de ver as manifestações dos adultos como uma intercorrência, um ruído ou chatice de quem vive em outra realidade. A chave pode ser aceitar essa difícil tarefa com os pais como parte necessária da rotina, importante para estruturar relações que precisam se estender até a casa da criança, integrando experiências. Se essa parceria é pra valer, o caminho deve ser por aí.


David Moisés e Angela Minatti

sábado, 12 de setembro de 2015

Receita caseira contra a intolerância e o extremismo




O mundo - esse lugar onde você acabou de botar sua prole - parece mais sombrio à medida que o noticiário e as redes mostram o êxodo de multidões, a crueldade cínica de terroristas, a intolerância no debate político e no convívio. Se já é duro encarar essa realidade pra consumo próprio, mais duro ainda é ajudar a molecada a lidar com o quase-desalento quanto ao futuro da humanidade.

A boa notícia é que não sabemos ao certo se o mundo está mesmo voltando à barbárie, ou se estamos apenas olhando de frente para atrocidades existentes há tempos. As imagens são pungentes e cheias de simbolismo. Dói no coração ver a cena final da vida de Alan Kurdi, 3 anos, com seu rostinho na areia, sem esperança, sem nada. Sua família fugira da Síria, onde terroristas aliciam adolescentes e decepam cabeças de reféns em espetáculos hediondos. Os Kurdi tentavam se refugiar na Europa, onde muitos governos e cidadãos os rejeitam aos pontapés. Entre esses dois mundos hostis, diante dos olhos de uma civilização assustada, o menino pereceu. Era só um corpinho que o mar, meio desajeitado, deixou na areia de uma praia.


A má notícia é que, se não sabemos se o mundo está ou não em retrocesso, podemos estar, sim, flertando com as trevas e trilhando um caminho de desumanização. O roteiro promete uma crise existencial global, mas pode ir além do mal-estar da civilização, comprometendo as capacidades de convivência e de manutenção dos recursos necessários à vida como a conhecemos.

Especular sobre o destino do homem é um esporte com adeptos e torcidas fanáticas, mas há um ponto de consenso entre os pessimistas, os otimistas e aqueles que apostam no dá-se-um-jeito: todos concordam que a coisa precisa melhorar. Humanos preferem deixar suas crias em ambientes seguros, com poucas ameaças, com recursos e oportunidades para que cresçam, desenvolvam competências, tenham sonhos, motivações e projetos, realizem(-se), sejam respeitadas, amem e sejam amadas, sejam felizes nos maiores graus possíveis de duração e intensidade.


Dá pra dizer que um cenário de intolerância e extremismos em confronto não é exatamente um lugar que ofereça essas condições em tempo e espaço suficientes. Quem tem filhos, portanto, se vê na dupla jornada de prepará-los para lidar com o sectarismo e, também, de ajudar o mundo a ser um lugar menos hostil, um ambiente de algum respeito mútuo e solidariedade.

Por sorte, ou talvez por cortesia do programa de milhagem da evolução humana, essas duas tarefas importantes podem ser cumpridas num mesmo trabalho, no mesmo esforço diário de cuidar dos pequenos. Manja quando a princesinha de 3 ou 4 anos persegue a mãe pedindo uma coisa por minuto enquanto choraminga? E quando o carinha tá de péssimo humor, dando chiliques?... É exatamente nessas horas que se faz a diferença.


Quando a mãe suporta sua própria vontade de dar uns gritos e consegue simplesmente ouvir aquela lamúria incômoda, aquele choro chato e agoniante, sem criticar, repreender, reprimir ou tentar encerrar a sessão de desconforto, está efetivamente trabalhando para que as crianças cresçam como pessoas capazes de refletir e consolidar opiniões razoáveis, de forma mais realista e ponderada. E está também forjando suas ferramentas para enfrentar a intolerância e o extremismo que vão encontrar por aí, no bate-boca ideológico-eleitoral, no bullying, na xenofobia e nas manifestações de preconceito, nas cenas tétricas do marketing do terror.

É simples, mas não é fácil; parece mágica, mas é trabalho. É importante ter claro que esses momentos de tormento com as crias não são desvios ou problemas na trajetória de pais & filhos. São momentos previstos, rotineiros e indispensáveis para que coisas fundamentais aconteçam no processo de humanização das crianças. Portanto, os adultos podem considerar cada situação dessas com a mesma importância que dão àquela convocação do chefe, ou à apresentação que farão semana que vem na empresa, e não como uma chateação do tipo pneu furado.


O que se processa nessas ocasiões prosaicas é um aprendizado para suportar a angústia, algo natural, que permeia a vida das pessoas. Esse mal-estar desconforta, empurra, provoca questionamento, crescimento. É claro que angústia demais é insuportável, assim como em doses insuficientes fica ruim. Nas crianças, é um motor que começa a funcionar e precisa ser conhecido como parte da existência.

Para os pequenos, essa sensação é desconhecida e forte, muitas vezes disparada pelo confronto entre suas vontades despóticas e a realidade que teima em não satisfazê-las. Para entender a força desse confronto é preciso lembrar que bebês nascem se achando deuses, que o leite sorvido na hora da fome é produto de sua intenção, assim como aquele seio - com uma mulher atrás, que ele só perceberá tempos depois - é fruto de sua onipotência.


É importante que pense assim. O pimpolho precisa crer com todas as forças que essa nova vida, fora do barrigão confortável, o acolhe plenamente. Se não acreditar nisso, pensará que o mundo lhe é pessoalmente hostil, uma sensação literalmente enlouquecedora. Na sua forma primitiva de raciocinar, as ferinhas começam assim, absolutistas, intransigentes, impacientes, imaginando que suas vontades são ou deveriam ser automaticamente atendidas.

Sua majestade tem de ir aos poucos caindo na real, aceitando que a demora no atendimento a algumas necessidades é contingência dessa vida imperfeita, e não uma agressão pessoal. Isso se aprende vivendo, experimentando, passando pelo desconforto da espera, pela chegada do leite na hora de mamar, pela saciedade que vem depois… Cada etapa é indispensável para esse aprendizado, que se estende pela infância e pela adolescência.


Crescer como gente é, em grande parte, compreender as condições diversas e adversas que compõem a realidade, e ser capaz de relacionar a elas as necessidades, interesses e vontades pessoais. É uma genuína superação da forma de pensar absolutista que caracteriza esse processo de humanização. Não é mera coincidência que as expressões mais sectárias e extremistas causem uma sensação de déja vu, de primitivismo infantil.

Mesmo quando adultas as pessoas tendem, por default, a optar por posições extremistas. Há uma tendência em buscar o mais certo, o melhor caminho entre os caminhos, aquele que poderia nos tornar mais plenos e realizados, felizes na confortável certeza de que basta seguir adiante para tudo resultar em muitos benefícios e poucos danos. Sempre há, portanto, ideias e posições radicais com as quais se defrontar, seja nos outros ou em nós, seja ocasionalmente ou de forma crônica. É a capacidade de enxergar, sem medo, as perspectivas e ideias divergentes que permite trocar uma verdade absoluta e cega por uma posição consistente e lúcida, que permite aceitar as diferenças, admitir ou rejeitar mudanças de modo consciente, firme e respeitoso.


Todo adulto sabe que isso não é lá muito fácil. E é justamente essa dificuldade que pode ser um forte aliado para o aprendizado dos pequenos. Quando os pais falam de seu sentimento, de como também se sentem contrariados, frustrados, tristes e indignados com a violência que brota da intolerância e do extremismo, e se mostram vivendo a vida, confiando nos seus valores e desejando uma vida mais solidária, ensinam a molecada a suportar seus próprios incômodos, a se libertar de ideias rígidas e verdades primitivas.

Se você quer dar uma mãozinha pro mundo, comece logo!



David Moisés e Angela Minatti


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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O adulto segura as pontas






Acontece bem naqueles momentos em que tudo pode ficar bem: o fim do domingo, a hora de sair de casa ou, pior, o começo do feriado. É nessas horas que a amável garotinha empaca na porta porque não encontra a presilha rosa (no meio das outras cinco que o pai esbaforido mostrou); o rapazinho reclama em tom de dobradiça de porta pela bola, aquela redonda que ele não encontra pra levar no dia do brinquedo; ou quando sentamos pra jantar, a belezinha chora sem lágrimas pelo chiclete laranja que não veio na caixinha de cinco cores.

Se reagir no modo automático, o adulto dispara frases prontas, objetivas e práticas, que geralmente antecedem gritos, sermões e mau humor. Mas nada disso pode colaborar com aquele pequeno ser humano.

Dá angústia ver isso, e a primeira coisa que você pensa é que não vai sobreviver. Mas, se considerarmos alguns aspectos, vemos luz no fim do túnel. Suportar essa angústia contribui decisivamente com a criação do espaço de que a criança necessita como se fosse o próprio ar. Por isso, tem de aguentar chegar ao fim do túnel! Esse é o trato.

Encontramos na sustentação destas cenas tragicômicas a grande fórmula para nos dirigir na construção de um espaço arejado, onde caibam a existência pacífica entre tantas demandas que se cruzam no dia a dia com os filhos.



Sustentar, nesse caso, é assumir o incômodo, dar suporte à pedra invisível que pesa no peito, adotar a postura de quem compreende que de fato não sabe a causa de tantos choros e impossibidades que surgem nestas horas, mas que pode sustentar as sensações que pertencem à constituição desse humano. Enfim, encarar a certeza de que o mundo interno é regido por determinantes inconscientes que cognitivo nenhum dá conta ou refrea.

O trabalho árduo é o de suportar a situação angustiante. Dar suporte nos obriga, naquela hora em que minha raiva assumiu o comando, a retroceder, esperar, manter os limites e aceitar o incômodo.

Mesmo que dê vontade de pensar alto diante dos filhos, o momento é para silenciar, retomar os pensamentos como seus e escolher o que é assunto de pai e filho, de mãe e filha; hora em que seu lugar é o de sustentador.

Não, não se escapa da angústia. Hora de entregar-se a ela com confiança pura de que algo fundamental para eles está em processo e eu, cuidador, permanecerei ali, sem entrar e sem me safar com saídas inteligentes, mudando de assunto ou lembrando algum ditador sanguinário.

O efeito desta ocupação quase diária é impressionante!

Começa em nós e reverbera nas crianças, sedentas de transitar por esse ambiente trabalhoso, que só aos poucos lhes aparece como seguro. Aí elas podem experimentar as sensações mais primitivas e trágicas, passando a abrandar tantas intensidades e pacificando seu mundo com a ajuda daquele adulto que não se perde nas turbulências.

Angela Minatti e David Moisés