quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Política e democracia para crianças (1)


Você sabe que a política brasileira não é para amadores. Entre um post aqui, um comentário ali e um compartilhamento acolá, já deve ter se espantado com a habilidade natural de muita gente para torcer os fatos, inverter posições, torturar a lógica, criar versões e teorias de conspiração, só pra dizer que tem razão. E deve ter pensado em como as crianças estariam se sentindo no meio desse tiroteio verbal entre adultos que rosnam suas opiniões.

Aliás, vendo tanto caso perdido, você também deve ter pensado em como evitar que os pequenos um dia se transformem naquele tio grotesco que não será mais convidado pra ceia de Natal, ou naquela vizinha azeda que grita ofensas contra os simpatizantes do outro lado, ou naquele colega da firma que espalha ódio no zap da galera. Faz sentido pensar nas crianças nessas horas. Afinal, a gente acaba se perguntando sobre o que será delas nesse mundo tenso.

O que fizeram com a minha mãe?...

No meio do bate-boca entre os adultos, a molecada às vezes se assusta com caras e palavras explosivas e corrosivas, que fazem as pessoas ficarem estranhas, como se fossem tomadas pelo lado escuro da força. O susto é um peso para os pequenos, mas o problema maior está na transfiguração que eles observam naqueles bocudos, que ficam irreconhecíveis. Aí sobra uma amarga sensação de cadê minha mãe?, o que fizeram com meu pai?.... Uma sensação de ser abandonado no berço.

As discussões via redes sociais podem não ser assustadoras, embora alguns façam expressões faciais tenebrosas enquanto escrevem aquele post lacrador. Mas quando mamãe é abduzida pelo smartphone, com os polegares fervendo no teclado, deixa de estar efetivamente presente para sua prole. No mundo concreto ou na web, isso rolou como uma febre de 40 graus durante a última campanha eleitoral, e tem sido uma febre de 39,5 desde então.

Quer dizer que mamãe e papai não podem participar do debate político pra não deixar as criancinhas abandonadas? Não. É claro que podem — e devem — participar. O mundo sempre precisa do debate para definir seus rumos, inclusive para indicar o futuro de seus filhos. A questão é como se engajar nas discussões sem deixar de ser uma referência segura e permanente para quem precisa de um adulto cuidador. Não dá pra ficar pensando no destino da Humanidade e esquecer dos humaninhos ao seu lado.

Tem solução: um debate bom para as crianças

Do ponto de vista dos pequenos, as discussões dos adultos são até importantes. São uma ótima experiência quando eles podem observar como os grandes dialogam, como ouvem e refletem sobre as posições contrárias, como argumentam e sustentam suas opiniões, como constroem consensos onde é possível e como respeitam as divergências que sempre permanecem. Essa experiência, aliás, é o mais valioso curso de democracia para crianças.

O que faz esse debate ser positivo, e não um momento de abandono, é a atitude dos debatedores, sua capacidade de resistir à tentação de lacrar a discussão. Porque essa capacidade é uma das que caracterizam um adulto razoavelmente amadurecido — e, portanto, capaz de cuidar de suas crias. Ideias simplistas e dicotômicas, tipo bom-ou-mau, e posições rígidas defendidas com agressividade são coisas de crianças, isto é, de pessoas que ainda não cresceram, sobretudo no plano emocional. Adultos suficientemente crescidos conseguem dialogar.

Um esforço que compensa

Qualquer um pode ter ideias e posições radicais, pouco mutáveis, mas isso não significa que o debate tenha de ser uma deprimente briga de trânsito. Opiniões consistentes são aquelas que não sucumbem à contra-argumentação, à prova dos fatos e às críticas, inclusive àquelas baseadas no ressentimento e sua pós-verdade. É possível — e necessário — enfrentar opiniões opostas sem partir pro ataque às pessoas que opinam, e a molecada percebe quando isso não tá rolando.

A gente sabe que é difícil resistir a provocações, escapar de armadilhas retóricas, respeitar quem fere a lógica e o decoro etc, mas esse é um esforço compensador. Além de reduzir a perda de tempo em discussões que levam a nada — aumentando assim a disponibilidade de atenção às crianças —, uma postura equilibrada mostra a elas que é possível discutir sem (se) destruir, e que há um adulto de verdade na área. Por sorte, o modo de debater e cuidar é também o modo de debater bem, sem a necessidade de ficar esperando ganhar likes ou os velhos oclinhos escuros.

David Moisés e Angela Minatti


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