sábado, 12 de setembro de 2015

Receita caseira contra a intolerância e o extremismo




O mundo - esse lugar onde você acabou de botar sua prole - parece mais sombrio à medida que o noticiário e as redes mostram o êxodo de multidões, a crueldade cínica de terroristas, a intolerância no debate político e no convívio. Se já é duro encarar essa realidade pra consumo próprio, mais duro ainda é ajudar a molecada a lidar com o quase-desalento quanto ao futuro da humanidade.

A boa notícia é que não sabemos ao certo se o mundo está mesmo voltando à barbárie, ou se estamos apenas olhando de frente para atrocidades existentes há tempos. As imagens são pungentes e cheias de simbolismo. Dói no coração ver a cena final da vida de Alan Kurdi, 3 anos, com seu rostinho na areia, sem esperança, sem nada. Sua família fugira da Síria, onde terroristas aliciam adolescentes e decepam cabeças de reféns em espetáculos hediondos. Os Kurdi tentavam se refugiar na Europa, onde muitos governos e cidadãos os rejeitam aos pontapés. Entre esses dois mundos hostis, diante dos olhos de uma civilização assustada, o menino pereceu. Era só um corpinho que o mar, meio desajeitado, deixou na areia de uma praia.


A má notícia é que, se não sabemos se o mundo está ou não em retrocesso, podemos estar, sim, flertando com as trevas e trilhando um caminho de desumanização. O roteiro promete uma crise existencial global, mas pode ir além do mal-estar da civilização, comprometendo as capacidades de convivência e de manutenção dos recursos necessários à vida como a conhecemos.

Especular sobre o destino do homem é um esporte com adeptos e torcidas fanáticas, mas há um ponto de consenso entre os pessimistas, os otimistas e aqueles que apostam no dá-se-um-jeito: todos concordam que a coisa precisa melhorar. Humanos preferem deixar suas crias em ambientes seguros, com poucas ameaças, com recursos e oportunidades para que cresçam, desenvolvam competências, tenham sonhos, motivações e projetos, realizem(-se), sejam respeitadas, amem e sejam amadas, sejam felizes nos maiores graus possíveis de duração e intensidade.


Dá pra dizer que um cenário de intolerância e extremismos em confronto não é exatamente um lugar que ofereça essas condições em tempo e espaço suficientes. Quem tem filhos, portanto, se vê na dupla jornada de prepará-los para lidar com o sectarismo e, também, de ajudar o mundo a ser um lugar menos hostil, um ambiente de algum respeito mútuo e solidariedade.

Por sorte, ou talvez por cortesia do programa de milhagem da evolução humana, essas duas tarefas importantes podem ser cumpridas num mesmo trabalho, no mesmo esforço diário de cuidar dos pequenos. Manja quando a princesinha de 3 ou 4 anos persegue a mãe pedindo uma coisa por minuto enquanto choraminga? E quando o carinha tá de péssimo humor, dando chiliques?... É exatamente nessas horas que se faz a diferença.


Quando a mãe suporta sua própria vontade de dar uns gritos e consegue simplesmente ouvir aquela lamúria incômoda, aquele choro chato e agoniante, sem criticar, repreender, reprimir ou tentar encerrar a sessão de desconforto, está efetivamente trabalhando para que as crianças cresçam como pessoas capazes de refletir e consolidar opiniões razoáveis, de forma mais realista e ponderada. E está também forjando suas ferramentas para enfrentar a intolerância e o extremismo que vão encontrar por aí, no bate-boca ideológico-eleitoral, no bullying, na xenofobia e nas manifestações de preconceito, nas cenas tétricas do marketing do terror.

É simples, mas não é fácil; parece mágica, mas é trabalho. É importante ter claro que esses momentos de tormento com as crias não são desvios ou problemas na trajetória de pais & filhos. São momentos previstos, rotineiros e indispensáveis para que coisas fundamentais aconteçam no processo de humanização das crianças. Portanto, os adultos podem considerar cada situação dessas com a mesma importância que dão àquela convocação do chefe, ou à apresentação que farão semana que vem na empresa, e não como uma chateação do tipo pneu furado.


O que se processa nessas ocasiões prosaicas é um aprendizado para suportar a angústia, algo natural, que permeia a vida das pessoas. Esse mal-estar desconforta, empurra, provoca questionamento, crescimento. É claro que angústia demais é insuportável, assim como em doses insuficientes fica ruim. Nas crianças, é um motor que começa a funcionar e precisa ser conhecido como parte da existência.

Para os pequenos, essa sensação é desconhecida e forte, muitas vezes disparada pelo confronto entre suas vontades despóticas e a realidade que teima em não satisfazê-las. Para entender a força desse confronto é preciso lembrar que bebês nascem se achando deuses, que o leite sorvido na hora da fome é produto de sua intenção, assim como aquele seio - com uma mulher atrás, que ele só perceberá tempos depois - é fruto de sua onipotência.


É importante que pense assim. O pimpolho precisa crer com todas as forças que essa nova vida, fora do barrigão confortável, o acolhe plenamente. Se não acreditar nisso, pensará que o mundo lhe é pessoalmente hostil, uma sensação literalmente enlouquecedora. Na sua forma primitiva de raciocinar, as ferinhas começam assim, absolutistas, intransigentes, impacientes, imaginando que suas vontades são ou deveriam ser automaticamente atendidas.

Sua majestade tem de ir aos poucos caindo na real, aceitando que a demora no atendimento a algumas necessidades é contingência dessa vida imperfeita, e não uma agressão pessoal. Isso se aprende vivendo, experimentando, passando pelo desconforto da espera, pela chegada do leite na hora de mamar, pela saciedade que vem depois… Cada etapa é indispensável para esse aprendizado, que se estende pela infância e pela adolescência.


Crescer como gente é, em grande parte, compreender as condições diversas e adversas que compõem a realidade, e ser capaz de relacionar a elas as necessidades, interesses e vontades pessoais. É uma genuína superação da forma de pensar absolutista que caracteriza esse processo de humanização. Não é mera coincidência que as expressões mais sectárias e extremistas causem uma sensação de déja vu, de primitivismo infantil.

Mesmo quando adultas as pessoas tendem, por default, a optar por posições extremistas. Há uma tendência em buscar o mais certo, o melhor caminho entre os caminhos, aquele que poderia nos tornar mais plenos e realizados, felizes na confortável certeza de que basta seguir adiante para tudo resultar em muitos benefícios e poucos danos. Sempre há, portanto, ideias e posições radicais com as quais se defrontar, seja nos outros ou em nós, seja ocasionalmente ou de forma crônica. É a capacidade de enxergar, sem medo, as perspectivas e ideias divergentes que permite trocar uma verdade absoluta e cega por uma posição consistente e lúcida, que permite aceitar as diferenças, admitir ou rejeitar mudanças de modo consciente, firme e respeitoso.


Todo adulto sabe que isso não é lá muito fácil. E é justamente essa dificuldade que pode ser um forte aliado para o aprendizado dos pequenos. Quando os pais falam de seu sentimento, de como também se sentem contrariados, frustrados, tristes e indignados com a violência que brota da intolerância e do extremismo, e se mostram vivendo a vida, confiando nos seus valores e desejando uma vida mais solidária, ensinam a molecada a suportar seus próprios incômodos, a se libertar de ideias rígidas e verdades primitivas.

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David Moisés e Angela Minatti


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