quinta-feira, 25 de abril de 2019

O preço do intercâmbio para adolescentes




Com crise ou sem crise, o papo do intercâmbio em high school não falha. Nas escolas particulares, onde os pais de alunos podem cogitar investimentos em moeda estrangeira, o assunto do ensino médio no exterior aparece geralmente nas turmas de 8º e 9º anos, como se um rito de passagem da era global estivesse se aproximando. Meninas e meninos de 13 ou 14 anos têm de encarar questões como ter ou não ter grana pra estudar fora, ir ou não ir, pra onde ir, como ficar se a viagem não rolar...

A experiência com várias gerações de adolescentes intercambistas já ensinou que as questões não são apenas aquelas. Para os adultos que decidem e pagam, as agências já prepararam cartilhas recomendando que verifiquem se o adolescente está “minimamente maduro” para viver a experiência, se é capaz de lidar com regras novas no convívio com pessoas estranhas, que almoçam no café da manhã e usam palavras esquisitas. Com jeitinho, fala-se nos cuidados com aquela “depressãozinha normal” dos primeiros meses, tecnicamente tratada como “estresse de adaptação”.

Depressãozinha?

Mas talvez as questões não se esgotem aí também. Estar “maduro” é uma ideia genérica e diz pouco no caso de garotas e garotos de 15 anos a milhares de quilômetros de distância da família e dos amigos, por meses a fio. Não convém considerar normal nenhum tipo de depressãozinha entre meninas e meninos que estão numa fase crítica, construindo arduamente uma entrada para a vida adulta. Para não dizer tudo o que ocorre nesse processo, vale lembrar a intensa troca de afeto que se dá (ou deveria) nas diversas relações de cada adolescente.

Lembre-se: essa molecada tá naquela montanha russa de hormônios, humores & amores. Eles têm de se equilibrar numa fita de angústia braba, entre surtos de onipotência eufórica e sensações de fim de mundo. Quem deve estar ao lado de uma figura assim, senão quem a conhece e tem com ela alguns laços afetivos mais sólidos? Pais e irmãos, parentes e amigos são aqueles que podem suportar e apoiar os adolescentes na sua conflituosa viagem rumo ao mundo adulto, dando ombro ou colo mesmo, ouvindo-os sem criticar ― ou até brigando, mas nunca se distanciando no espaço ou no sentimento.




Engordar, se chapar ou pirar

Os que viajam acabam privados desse suporte e de experiências fundamentais. É claro que muitos dão-se bem e desfrutam com alegria dos benefícios do intercâmbio. Mas há uma ocorrência razoável de perda e sofrimento, cuja expressão mais comum se dá pela obesidade, pelo consumo de álcool\drogas e pelos transtornos emocionais. É difícil achar estatísticas sobre isso, mas pode-se contar com inúmeros relatos de ex-intercambistas familiarizados com os três caminhos lá fora: engordar, se chapar ou pirar.

Os que não conseguem ir são maioria, mas até eles acabam afetados por essa norma cultural introduzida — sem questionamentos — no percurso dos adolescentes. Não ir pra high school é meio que ser inferior em grana e em capacidade, um sinal de fraqueza e incompetência. Daí que muitos se consolem, intimamente, com a volta antecipada dos colegas que não aguentaram o tranco, ou com as visitas que os pais têm de fazer aos filhos deprimidos nas host families d’além-mar.

Adolescentes querem e precisam de cuidados

Pais de adolescentes costumam se surpreender com a necessidade de dar atenção e cuidados àqueles rebeldes micofóbicos. Adolescentes precisam e adoram ser cuidados, ainda que disfarcem muito bem suas demandas. Isso confunde os adultos, que costumam engatar a marcha do eles-têm-que-se-virar, ou precisam-conhecer-seu-próprio-valor. Tudo isso vale, mas o caminho não é apartar relações importantes e desfazer o entorno afetivo, justamente num momento delicado e decisivo do crescimento.

Ficar sem high school não significa necessariamente ser privado de uma experiência internacional. Fora desse falso rito de passagem, há programas de curta duração, de um a três meses, que podem dar à molecada uma vivência suficientemente densa lá fora, com seus ganhos intelectuais e culturais, sem provocar uma ruptura nas relações afetivas e nas experiências emocionais em andamento. E quem tá sem grana pra ir ao exterior não tem por que ficar mal: o que mais conta na vida é o que se constrói por dentro.


Angela Minatti e David Moisés


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Cair no mundo sem cair em armadilhas ………. p.385

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